domingo, 30 de junho de 2013

minhas 7 quedas

minha primeira queda
não abriu o pára-quedas

daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda

da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda

nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda

na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo

P. Leminski em Toda Poesia


você
que a gente chama
quando gama
quando está com medo
e mágua
quando está com sede
e não tem água
você
só você
que a gente segue
até que acaba
em xeque
ou em chamas
qualquer som
qualquer um
pode ser tua voz
teu zumzumzum
todo susto
sob a forma
de um súbito arbusto
seixo solto
céu revolto
pode ser teu vulto
ou tua volta

P. Leminski em Toda Poesia
nascemos em poemas diversos
destino quis que a gente se achasse
na mesma estrofe e na mesma classe
no mesmo verso e na mesma frase

rima à primeira vista nos vimos
trocamos nossos sinônimos
olhares não mais anônimos

nesta altura da leitura
nas mesmas pistas
mistas a minha a tua a nossa linha

P. Leminski em Toda Poesia

terça-feira, 11 de junho de 2013

desmontando o frevo

desmontando
o brinquedo.
eu descobri
que o frevo
tem muito a ver
com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranquilo
com aquilo
nem com isto

de ser meio
e meio ser
sem deixar
de ser inteiro
e nem por isso
desistir
de ser completo
mistério

eu quero
ser o janeiro
a chegar
em fevereiro
fazendo o frevo
que eu quero
chegar na frente
em primeiro

p. leminski em Toda Poesia
Poemas grafitados nas paredes do MON, na exposição Múltiplo Leminski.




terça-feira, 23 de abril de 2013

ABAIXO O ALÉM


     de dia
céu com nuvens
     ou céu sem

     de noite
não tendo nuvens
     estrela
sempre tem

     quem me dera
um céu vazio
     azul isento
de sentimento.

PROFISSÃO DE FEBRE


     quando chove,
eu chovo,
     faz sol,
eu faço,
     de noite,
anoiteço,
     tem deus,
eu rezo,
     não tem,
esqueço,
     chove de novo,
de novo, chovo,
     assobio no vento,
daqui me vejo,
     lá vou eu,
gesto no movimento

p. leminski em La vie en close

DONNA MI PRIEGA

     se amor é troca
ou entrega louca
     discutem os sábios
entre os pequenos
     e os grandes lábios

     no primeiro caso
onde começa o acaso
     e onde acaba o propósito
se tudo o que fazemos
     é menos que amor
mas ainda não é ódio?

    a tese segunda
evapora em pergunta
    que entrega é tão louca
que toda espera é pouca?
     qual dos cinco mil sentidos
está livre de mal-entendidos?

P. Leminski em La vie en close

domingo, 10 de março de 2013


você está tão longe

         que às vezes penso
             que nem existo
         
              nem fale em amor
         que amor é isto

P. Leminski em La vie en close

ERRA UMA VEZ

ERRA UMA VEZ
         nunca cometo o mesmo erro
     duas vezes
        já cometo duas três
     quatro cinco seis
         até esse erro aprender
     que só o erro tem vez

P. Leminski em La vie en close

sábado, 9 de março de 2013

você está muito sensata
acho bom
consultar um psicopata


esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem


a noite-enorme
tudo dorme
menos teu nome


amar é um elo
entre o azul
e o amarelo


acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido


pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando

terça-feira, 5 de março de 2013


   gardênias e hortênsias
não façam nada
   que me lembre
que a este mundo eu pertença

   deixem-me pensar
que tudo não passa
   de uma terrível coincidência

P. Leminksi
em distraídos venceremos
   a história faz sentido
isso li num livro antigo
   que de tão ambíguo
faz tempo se foi na mão de algum amigo

   logo chegaremos à conclusão
tudo não passou de um somenos
   e voltaremos
à costumeira confusão

P. Leminski
em Caprichos e Relaxos

minhas 7 quedas

minha primeira queda
não abriu o pára-quedas

daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda

da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda

nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda

na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo

P. Leminski
em Caprichos e Relaxos

domingo, 17 de fevereiro de 2013


Haicais em distraídos venceremos

tudo dito
nada feito
fito e deito

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando

abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri
antigamente eu era eterno

tarde de vento
até as árvores
querem vir para dentro



viver não é lógico. viver é a suprema loucura.

p. leminski
A poesia é o raro da linguagem. Mesmo que reles. E é um vampiro que se alimenta de olhares.

p. leminski

domingo, 3 de fevereiro de 2013

já dizia Leminski: “poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um verso. Quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada”.


inverno
primavera
poeta é
quem se considera

Paulo Leminski em Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase e Caprichos e Relaxos



o barro
toma a forma
que você quiser

você nem sabe
estar fazendo apenas
o que o barro quer

Paulo Leminski em Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase e Caprichos e Relaxos
você pára
a fim de ver
o que te espera

só uma nuvem
te separa
das estrelas

Paulo Leminski em Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase e Caprichos e Relaxos
moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

Paulo Leminski em Polonaises e Caprichos e Relaxos

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Alma polaca


meu coração de polaco voltou
coração que meu avô
trouxe de longe pra mim
um coração esmagado
um coração pisoteado
um coração de poeta

Paulo Leminski em Polonaises e Caprichos e Relaxos

Leminski gostava muito de falar de poesia na própria poesia, se preocupava com o fazer poético. Em seu livro Distraídos Venceremos, o primeiro e segundo capítulo são dedicados aos metapoemas. Neste livro seus poemas continuam, assim como em Caprichos e Relaxos, com os jogos de palavras que dão diferentes sentidos a uma mesma expressão, uma de suas principais características.

Em m, de memória, no seu jogo de palavras vemos a sua literatura e rememoramos a literatura dos vários outros autores que cita.


m, de memória

  Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
     Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.

     Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
     assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.

     Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
     Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.

     Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
     Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.

     Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
     Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.


Paulo Leminski em distraídos venceremos

     no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
     a gente gostaria
de ver nossos problemas
     resolvidos por decreto

     a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
     é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo

     extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
     lá pra trás não há nada,
e nada mais

     mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
     e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
     e outros pequenos probleminhas

Paulo Leminski em distraídos venceremos

guerra sou eu
guerra é você
guerra é de quem
de guerra for capaz
guerra é assunto
importante demais
para ser deixado
na mão dos generais

p. leminski, 85

RAZÃO DE SER

     Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
     preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
     Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
     lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
     A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
     Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

     Paulo Leminski em distraídos venceremos
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas


Paulo Leminski em distraídos venceremos