sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Alma polaca


meu coração de polaco voltou
coração que meu avô
trouxe de longe pra mim
um coração esmagado
um coração pisoteado
um coração de poeta

Paulo Leminski em Polonaises e Caprichos e Relaxos

Leminski gostava muito de falar de poesia na própria poesia, se preocupava com o fazer poético. Em seu livro Distraídos Venceremos, o primeiro e segundo capítulo são dedicados aos metapoemas. Neste livro seus poemas continuam, assim como em Caprichos e Relaxos, com os jogos de palavras que dão diferentes sentidos a uma mesma expressão, uma de suas principais características.

Em m, de memória, no seu jogo de palavras vemos a sua literatura e rememoramos a literatura dos vários outros autores que cita.


m, de memória

  Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
     Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.

     Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
     assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.

     Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
     Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.

     Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
     Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.

     Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
     Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.


Paulo Leminski em distraídos venceremos

     no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
     a gente gostaria
de ver nossos problemas
     resolvidos por decreto

     a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
     é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo

     extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
     lá pra trás não há nada,
e nada mais

     mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
     e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
     e outros pequenos probleminhas

Paulo Leminski em distraídos venceremos

guerra sou eu
guerra é você
guerra é de quem
de guerra for capaz
guerra é assunto
importante demais
para ser deixado
na mão dos generais

p. leminski, 85

RAZÃO DE SER

     Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
     preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
     Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
     lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
     A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
     Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

     Paulo Leminski em distraídos venceremos
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas


Paulo Leminski em distraídos venceremos